Pegando carona nessa onda de
reprises que assola a TV brasileira, esses dias eu parei pra assistir a
programação da faixa vespertina (NÃO, EU AINDA NÃO DESISTI DA TELEDRAMATURGIA
TUPINIQUIM) e me deparei com uma coisa muito interessante: um painel de
críticas sobre o mundo das artes misturado ao melhor do melodrama e humor
pastelão. Estou falando de CARAS & BOCAS. Atualmente em cartaz no Vale a
Pena Ver de Novo, a novela traz um misto das principais marcas de Walcyr
Carrasco, muitos bordões, personagens caricatos, barracos e um texto bem
teatral. Elenco sintonizado com a energia de Carrasco aliados a direção maluca
e certeira de Jorge Fernando, foram a combinação ideal para o sucesso e empatia
com o público do horário. A comédia romântica,
ambientada na cidade de São Paulo, apresenta a história de amor entre Dafne
(Flávia Alessandra) e Gabriel (Malvino Salvador). Os dois amantes da arte,
ambos de gênio forte, apaixonam-se na juventude, mas são separados pelo avô da
moça, o milionário Jacques (Ary Fontoura), dono da CONTI, empresa de extração
de diamantes. Temendo que o rapaz estivesse apenas interessado na herança de
sua neta, Jacques arma para que os dois se afastem. Eles se reencontram anos
mais tarde, mas as mágoas do passado dificultam a reconciliação.
Há
15 anos, Dafne apenas sonhava abrir sua própria galeria de arte. Financiada
pelo avô, que passou a criá-la depois da morte dos pais, a jovem se matricula
em um curso de pintura, onde conhece e se apaixona por Gabriel. O rapaz, um
talentoso artista, ingressa no curso graças a uma bolsa de estudo, já que não
tinha condições de pagá-lo. A paixão pela arte os une, mas nem isso os impedia
de viver em conflitos. Ele era um machão; ela se considerava uma mulher moderna
e não aceitava intromissões em sua vida. Para afastar Gabriel da neta, Jacques
o convence a aceitar uma bolsa de estudos em Londres e, para tal, o milionário
conta com a ajuda de sua então esposa, Léa (Maria Zilda Bethlem). Contudo, ao
descobrir que Dafne está grávida, o empresário tenta desfazer a armação para
transformar Gabriel no futuro administrador de sua empresa. Mas sua enteada,
Judith (Deborah Evelyn), e Léa interferem sorrateiramente para impedi-lo de
desfazer a situação. A razão é simples: Judith sonha assumir a empresa e não
permitiria que um estranho tomasse seu lugar. Gabriel, então, vai para o
exterior sem saber que Dafne está grávida e acreditando que a namorada o trocou
por outro. Ela, por sua vez, tem a certeza de que foi abandonada pelo namorado,
que não quis assumir a filha.
A épica cena da corrida pelos pneus. |
15 anos depois Jacques desaparece
deixando um testamento no qual determina-se que Dafne só terá acesso a sua
fortuna se ela se casar. A partir daí, com um pretendente mais louco e
improvável que o outro, Bianca resolve unir o útil ao agradável e por isso
resolve procurar o pai que nunca conheceu e tentar convencê-lo a reconquistar
Dafne. Porém, Gabriel e Dafne são como fogo e gasolina; apesar de ainda se
amarem, não conseguem se entender como um casal "normal" e as
diferenças é que dão todo o tempero dessa relação.
PINTANDO O SETE
Um chimpanzé que foge de um circo onde sofria
maus tratos. Chega por acaso à casa de Denis (Marcos Pasquim) e é acolhido pelo
menino Espeto (Davi Lucas). O macaco entra no ateliê do pintor e, literalmente,
pinta o sete, justamente no dia em que Simone (Ingrid Guimarães) vai ao local
para conhecer o trabalho do pintor. Denis fica desnorteado ao ver o “estrago”
que o macaco fez, mas se surpreende ao perceber que a sócia da galeria de arte
fica encantada com as obras. Aí nasce o conflito dramático. A ideia de
Carrasco, ao colocar um macaco pintor, é discutir a produção de arte
contemporânea. Mas em que consiste essencialmente a arte contemporânea? Ou
melhor: qual o segredo da arte na atualidade? É muito mais uma questão de ética
do que de estilo, para se inventar com a arte uma reflexão. Não existem estilos
ou movimentos como as vanguardas que fizeram a modernidade. O que há é uma
pluralidade de estilos, de linguagens, contraditórios e independentes,
convivendo em paralelo, porque a arte contemporânea não é o lugar da afirmação
de verdades absolutas. O que mais tem marcado a arte é justamente a diversidade das formas. No Brasil
não é diferente do restante do mundo, um exemplo claro dessa diversidade são os
grafiteiros e pichadores – o que eles fazem é uma arte que tem sido usada como
exemplo até no exterior, mas nem todos concordam ou acham bonita essa arte.
Talvez a melhor maneira de definir arte seja como trabalho criado para ter
algum tipo de efeito, tanto aos olhos do público como aos do próprio artista. Hoje o artista é um profissional livre, mas que produz uma mercadoria e
precisa, como os demais, sobreviver. A estrutura de compra e venda de obras foi
incrementada com instâncias que mediam e orientam o comprador. Atualmente,
galerias, revistas especializadas, a crítica de arte, os curadores e os museus
são elementos que atuam entre público e o artista.
A personagem Simone (Ingrid Guimarães) faz essa ponte entre o
“artista” e o público. É através dela que as inocentes pinturas do macaco
ganham destaque e valor de obra de arte. As relações sociais influenciam a
forma como o produtor ou o autor de uma obra é visto, entre os produtores de
arte e os consumidores, permitindo formar-se uma imagem/opinião acerca do
objeto artístico, baseada não tanto nas propriedades intrínsecas do objeto como
na posição ocupada pelo produtor. A escolha da arte contemporânea está nesta
investigação relacionada com o fato de se considerar um dos mercados onde o
valor é mais difícil de determinar. Walcyr, enquanto autor, ao colocar em jogo
um macaco enquanto criador de obras de arte levanta essa discussão que está
sempre em pauta.
BORDÕES
A galeria de bordões da novela é enorme,
eis alguns:
"Não me absorva, Fabiano"
(Ivonete - Suzana Pires)
"Deus é mais!" (Fabiano - Fábio
Lago)
"É a Treva!" (Bianca - Isabelle
Drummond)
"Choquei!" "Tô rosa chiclete"
(Cássio - Marco Pigossi)
"E eu, sou fraca?" (Lili - Maria
Clara Gueiros)
Dentre todos os destaques, brilharam:
Flávia Alessandra, Malvino Salvador, Deborah Evelyn, Isabelle Drummond, Elizabeth
Savalla, Ingrid Guimarães, Marco Pigossi, Marcos Pasquim e óbvio a macaca Keith
(Xico). Com cerca de 60 personagens, “Caras &
Bocas” tinha uma narrativa rápida, como a de seriados. Com isso, as tramas se
resolviam em uma ou duas semanas e todos os núcleos paralelos tinham destaques,
assim como a trama central. Esta agilidade permitiu que a novela tivesse fôlego
de durar 232 capítulos e cerca de nove meses no ar. Assista e se divirta com
esse humor genuinamente brasileiro misturado a todas as cores da aquarela
folhetinesca.
Abraço.