terça-feira, 7 de outubro de 2014

O CONDE




Era uma vez...isso é tão clichê, não? Porém, pra mim, não há melhor maneira de se iniciar uma história. Portanto, era uma vez...
Essa não foi a minha avó que contou, eu inventei, espero que fique boa. O Conde, ele morava numa pequena cidade ao sul de um longínquo país. Era inverno, e tudo estava absurdamente gelado. Não havia fogueira que esquentasse o coração amargurado daquele homem. Sempre tão elegante e reservado, preferia a solidão do seu casarão do que socializar no tradicional sarau de inverno. Restringia-se a penas a falar com seus empregados o indispensável. Sempre muito parecido com todos os ancestrais masculinos de sua família, prezava pelo luxo de um livro cult acompanhado de uma taça de vinho. Sua biblioteca era possivelmente uma das mais completas do mundo.
Em contraste gritante, viviam os moradores da pequena aldeia de trabalhadores rurais, camponeses que tiravam seu sustento da terra, que impedidos de trabalhar pela neve, usavam a criatividade e a coragem para driblar a fome. Já faziam vinte e oito dias sem sol, pessoas estavam morrendo, e a maioria não era de frio. Havia morte entre os arbustos da floresta local. O pior de tudo é que a tal atravessava a cidade, pois justamente nela ficava a estrada de ligação entre o centro da cidade, a aldeia, as casas das famílias ricas e as montanhas em cujo território se localizava a mansão do Conde. Resumindo, ou passava por ela no planado limpo da estrada, ou pelos meio dos arbustos.


A última pessoa encontrada ali nas margens foi a filha do Doutor T. que não resistiu aos ferimentos na região pélvica. Aliás, um ferimento em comum que as vítimas femininas tinham. Porém, os poucos homens que morreram lá por aquelas bandas só tinham ferimentos no pescoço e ombros. Seria algo sobrenatural? Alguma criatura ou animal selvagem? Ou mesmo obra de uma mente doente? Pouco se sabe sobre o assunto que permanece em incógnita. Sabe-se da boca popular até hoje, que os aldeões da cidade se juntaram a polícia local para tentar resgatar a filha de um comerciante de sementes. Tida por muitos como a mais bela jovem da região, Matilda, ruiva e farta no auge dos seus 19 anos, foi levada de casa aos berros puxada pelo telhado. Marcas e nem evidências haviam, até que o cachorro farejador chegou da cidade grande mais próxima, para tentar solucionar o caso. Seguindo o bicho, foram levados até o cemitério, que deixou o cão ainda mais empolgado e valente ao ver a reação do grupo de corajosos que se borraram constatando com os próprios olhos os túmulos da vítimas abertos. O grupo se reduziu, poucos permaneceram, a maioria voltou pra casa e tentou se proteger com todo material, arsenal e mandingas possíveis. Não estavam lidando com algo irracional. Então o cão continuou a caçar pistas, e cheirando chegou a solitária mansão do Conde.
E qual não foi a surpresa dos bravos ao verem as vítimas mortas mais vivas do que nunca tomando vinho, Matilda lá estava, ainda linda cantando junto ao pianista que fora morto ao voltar do recital.
- Não querem participar da festa? - A voz do conde ecoou pelo salão principal.
Então, os penetras que pensavam estar bem escondidos, ficaram de toda cor num misto de medo e espanto. De repente, os olhos penetrantes daquelas pessoas pálidas se voltaram para eles. E foi como correr numa esteira, sem sair do lugar. As pernas já não obedeciam mais aos comandos cerebrais.
- Essa é a verdadeira vida! Ninguém conhece o paraíso se não nascer de novo. Tem certeza de que não querem compartilhar conosco? Quem cala consente...
Quando finalmente o sol resolveu aparecer a população se chocou ao ver as cabeças dos corajosos penduradas no cruzeiro da praça onde num banco havia o escrito a sangue: "Renascidos não morrem".

Todas as famílias foram embora dali sem hesitar nem demorar, muitos a pé mesmo, sem carruagem no inverno que já findava. Com o passar dos anos, tudo virou nada, agora não passa de uma cidade fantasma. Mas, há que jure de pés juntos que é possível ouvir de longe quando por ali perto se passa, as vozes, os gritos e o som do piano vindo nitidamente da zona da mansão, essa que o tempo ainda não conseguiu desgastar por inteira. Todos que um dia lá já foram não mais voltaram, inclusive autoridades e investigadores. Pessoas evitam pegar a estrada ao anoitecer, pois temem ser atacados pelos renascidos conforme reza a lenda. Os poucos que se atrevem  aceleram com pé de elefante, devido a crença da existência de uma força que impede dos carros de seguirem viagem. Uma força elegantemente alta e com vestes negras.

É...mistérios da meia-noite!